Vinho novo e vinho velho


 

Para melhor compreender essa parábola sugiro lê-la a partir de Lc 5:33, ou Mt 9:14 ou ainda Mc 2:18. Yeshua (Jesus) estava em um banquete na casa de um dos seus alunos, quando foi inquirido com algumas questões. Dentre essas está o jejum. O texto diz:

 

Por que jejuam os discípulos de João muitas vezes, e fazem orações, como também os dos fariseus, mas os teus comem e bebem? E ele lhes disse: Podeis vós fazer jejuar os filhos das bodas, enquanto o esposo está com eles? Dias virão, porém, em que o esposo lhes será tirado, e então, naqueles dias, jejuarão. E disse-lhes também uma parábola: Ninguém deita um pedaço de uma roupa nova para a coser em roupa velha, pois romperá a nova e o remendo não condiz com a velha. E ninguém deita vinho novo em odres velhos; de outra sorte o vinho novo romperá os odres, e entornar-se-á o vinho, e os odres se estragarão; Mas o vinho novo deve deitar-se em odres novos, e ambos juntamente se conservarão. E ninguém tendo bebido o velho quer logo o novo, porque diz: Melhor é o velho. (Lucas 5:33-39)

 

Esta parábola é muito mal interpretada no meio teológico atual. Vários leitores acreditam que o vinho e a roupa velha fazem referência a religião antiga (o judaísmo) e o vinho e a roupa nova fazem referência a nova religião criada por Yeshua (o cristianismo). Os cristãos, em sua maioria, e alguns outros leitores acreditam que Yeshua rompeu com o judaísmo criando uma nova fé. Esse pensamento pode ser facilmente retificado quando se estuda um pouco mais a bíblia, pois o próprio Yeshua não fez absolutamente nada contra a Torá (Mt 5: 17-19). Outro ponto incontestável e muito claro na própria parábola é o último verso: “MELHOR É O VELHO”. Se realmente Yeshua tivesse comparando a religião cristã com o judaísmo, fazendo referência com os vinhos novo e velho, a resposta seria bem simples: melhor é o velho (o judaísmo). O próprio Yeshua não interpretou essa parábola, então, baseado em alguns indícios do texto e utilizando todo o contexto das sagradas escrituras judaicas, tentarei oferecer-vos uma possibilidade de interpretação.

Yeshua responde o questionamento acerca do jejum com uma pergunta que fazia parte do contexto judaico. Não faz parte do costume judaico jejuar em festas de casamento, pois o jejum remete a sofrimento, deixa o homem abatido, com aspecto de tristeza. Seria um tremendo paradoxo, podendo até tornar-se ofensivo, em uma festa se ficar com esse aspecto. A própria halakha (tradição judaica) proíbe jejuar em festas como o shabbat, por exemplo. Yeshua parece dizer que não é momento de seus discípulos se abaterem mas virá o momento em que será necessário, para os seus alunos, afligir a alma. Após isso, ele contou outra parábola sobre misturar coisas novas com coisas velhas. É muito provável que essa metáfora do novo com o velho esteja ligada a pergunta sobre o Jejum.

Uma interpretação possível que tenho sobre essa parábola é que o vinho velho está se referindo a Torá (Lei), vinda direto de Deus, através de Moshe (Moisés), simples e sem alterações. Já o vinho novo pode ser as tradições rabínicas (tradições dos mestres do judaísmo) que surgiram séculos após a morte de Moshe, sendo uma doutrina totalmente nova. Algumas dessas até contrariam o que Moshe ensinou (Mt 15:3,6). Essa interpretação se torna coerente dentro do contexto, pois o jejum realizado pelos discípulos de João e dos fariseus não era regulamentado pela Torá. Não existe um mandamento expresso na Lei de Moshe ordenando fazer jejum. No dia de Yom Kippur (dia da expiação), o ETERNO manda que os judeus aflijam as suas almas (Lv 23:27-29) e muitos entendem que a melhor maneira de afligir a alma seja através do jejum. Se assim entendermos, existe uma interpretação do mandamento para se fazer jejum apenas no dia de Yom kippur. Nesse contexto, a parábola do novo e velho (roupa e vinho) serviu como uma defesa da pergunta que Yeshua recebeu.

Baseado nessa interpretação da parábola, Yeshua poderia ter dito, sem nenhuma alteração semântica ao texto de Lucas 5:36-39, a seguinte resposta para o questionamento dos seus discípulos não fazerem jejum constantemente como os judeus mais tradicionais:

Onde está escrito na Torá que devemos fazer jejum? Por que vocês querem impor o jejum as pessoas? A tradição não pode confundir-se com o mandamento (Torá). Se isso acontecer tanto a tradição quanto o mandamento perderão o sentido. Uma tradição não deve servir como regra para todo judeu, mas um mandamento, sim. A tradição deve ser entendida como tradição e o mandamento deve ser entendido como tal. Dessa maneira, ambos poderão conviver em harmonia. Nenhuma imposição que não seja da Torá funcionará conosco, porque conhecemos o que diz a Torá e qualquer um que a conhece não a troca por uma tradição, pois diz: melhor é a Torá.

A pregação de voltar ao antigo não é novidade de Yeshua, pois todos os profetas da Tanakh (Bíblia hebraica conhecida pelos cristãos como velho testamento) tinham sempre essa mensagem como fundamento. O “novo” no judaísmo nunca foi algo que deva ser buscado, porém retornar às raízes e conservar o passado sempre foi o ponto principal de todas as profecias (Os 14:1). Nesse contexto de tradição e mandamento fica mais claro afirmar que grande parte dos debates entre Yeshua e os líderes religiosos da sua época se deram devido a discordância de Yeshua em relação a imposição de dogmas e tradições.

O grande mestre Yeshua seguia muitas tradições judaicas, como por exemplo, ir a sinagoga segundo o seu costume farisaico (Lc 4:16) ou praticar o netilat yadaym (lavagem litúrgica das mãos), segundo pode ser constatado em Mt 15:2, onde apenas os seus discípulos são acusados de quebra-la. Embora verificar todas as tradições de Yeshua possa ser considerado assunto para outro estudo, não posso deixar de citar algumas que ele mesmo tinha e defendia como necessárias em determinado contexto (Mt 17:21). Nenhum teólogo que tenha conhecimento bíblico sobre Yeshua vai afirmar que ele não aprovava a tradição do jejum, porém quando isso foi inquerido aos seus discípulos como mandamento o mesmo Yeshua os defendeu fervorosamente. Vejamos as boas tradições como tradições e os mandamentos como mandamentos. Dessa forma ambos se conservarão.

 

Por Neldjan Rodrigues

דוד בן יוסף